quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

DOIS PESOS DUAS MEDIDAS

Contraste é o que não falta no Brasil. E quando a discussão chega à balança, não é diferente. (...) Brasileiros, abaixo da própria linha da miséria, ainda morrem de fome. Outros têm de conviver com a anemia. Cada vez mais, aumenta o número de pessoas que chegam aos hospitais vítimas de problemas resultantes do excesso de peso.

Os distúrbios alimentares (como a anorexia e a bulimia), classificados como doenças psiquiátricas, também chamam a atenção, porque, além de definhar cada vez mais jovens e já fazer estragos entre crianças, mostram a pressão do que se convencionou chamar de “ditadura da moda” na vida das pessoas. Atinge não só a classe média, mas as meninas da periferia. O tratamento é longo e caro, e o serviço público de saúde não dá conta do aumento da demanda. Situação semelhante ocorre com os outros problemas nutricionais: existe desinformação e faltam vagas no atendimento gratuito.

(...) Em novembro de 2006, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou que metade dos

Trabalhadores da indústria nacional (49,7%) está acima do peso ideal e 26,3% deles têm problema de hipertensão arterial. No dia seguinte, o instituto de pesquisas LatinPanel, ligado ao Ibope, informou que, segundo levantamento em 8,2 mil domicílios, 29%têm como expectativa para 2007 aumentar os gastos com alimentos e mercadoria.

O brasileiro quer comer mais. Até aí não se trata apenas de um direito, mas de uma necessidade. A questão é o que ele quer colocar para dentro da boca. A resposta está nas prateleiras de supermercados, abarrotados de alimentos a base de muito açúcar e de muita gordura. “Os sinais da vida moderna não estão apenas na casa de quem tem melhor poder aquisitivo. O acesso aos alimentos hoje é para todos. E nas comunidades carentes, apesar da pobreza, o que se vê é a substituição do suco pelo refrigerante e do arroz com feijão pelo macarrão instantâneo, relata Zilda Arns, presidente da Pastoral da Criança, que defende a adoção de programas nacionais de educação alimentar. “A segurança alimentar tem de ser um valor cultural da população.”

Os números comprovam o que a médica Zilda vê na prática. Pesquisa feita entre 1974 e 1975 mostrava um consumo per capita de arroz de 31,571 quilos, enquanto entre 2002 e 2003, esse volume caiu para 17,110 quilos. No caso dos alimentos preparados, o movimento foi no sentido contrário: subiu de 1,706 quilo para 5,398 quilos.

A desnutrição, por sua vez, ainda causa milhares de óbitos no país. Estima-se que pelo menos metade das mortes de crianças com até 5 anos – foram 88 mil em 2005 – tenha como causa a desnutrição. Na média, uma criança brasileira morre a cada 12 minutos porque não tem como se alimentar. A Organização Mundial da Saúde, em 1995, divulgou uma pesquisa, feita em 53 países, segundo a qual a subnutrição contribui em 56% de todas as mortes de crianças.

(...) Quando não mata, a falta de alimento limita o desenvolvimento físico e intelectual. As vítimas têm perfis variados. São crianças, idosos, de centros urbanos e de periferias. Há tempos o problema também faz parte da vida das comunidades indígenas.

Nas áreas de atuação da Pastoral da Criança, Alagoas foi o estado com mais crianças desnutridas no ano passado, com 6,5%. Na outra ponta ficou o Panamá, com 1,8%. Na comparação entre 2004 e 2005, o Amapá teve o maior crescimento de ocorrências acompanhadas pela pastoral: 47,8%.

Entre os adultos, os problemas relacionados à segurança alimentar não são diferentes. A Pesquisa de Orçamentos Familiares, feita pelo IBGE entre 2002 e 2003, constatou a seguinte realidade na população com 20 anos ou mais: 2,8% dos homens têm déficit de peso, 41,1% sofrem de excesso de peso e 8,9% são obesos. Entre as mulheres, o estudo mostrou 5,2% com problema de baixo peso, 40% com sobrepeso e 13,1% vítimas da obesidade.

Outro problema, chamado de fome oculta, também tem preocupado os envolvidos com a saúde pública, como explica Halim Girade, oficial de projetos do Unicef, e pode estar escondido entre anêmicos e obesos, sem distinção. Segundo o especialista, a fome oculta é resultado da falta de três micronutrientes: ferro, vitamina A e iodo. Sem ferro, a criança fica anêmica, não consegue interagir socialmente e apresenta dificuldade motora. A ausência de vitamina A compromete a imunodeficiência. Já a insuficiência do iodo resulta em deficiência mental. “É o paradoxo brasileiro. Um não engorda porque não tem. O outro não engorda porque não quer”, avalia Girade. (Revista Carta Capital).

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