Fonte: GGN
FÁBIO DE OLIVEIRA RIBEIRO SAB, 25/06/2016 - 08:30
O nacionalismo é um
fenômeno antigo, mas passou por diversas evoluções ao longo da história. No mundo antigo, a nação era a
cidade. Os cidadãos de Atenas usavam a mesma língua que os de Esparta,
mas uns e outros nunca chegaram a se considerar pertencentes à uma mesma nação
grega. Mesmo quando se uniam para combater o inimigo comum persa, atenienses e
espartanos continuavam a devotar sua lealdade apenas à suas respectivas
cidades. O mesmo fenômeno ocorria na Itália antes de Roma começar a se expandir
e a remodelar o cenário cívico.
Durante o Império Romano, o nacionalismo que opunha
o romano ao bárbaro era fundamentalmente político. A aquisição da cidadania
romana não dependia do nascimento em Roma. De fato, imperadores romanos
importantes nasceram na Espanha (Trajano e Adriano), na África Proconsular,
atual Líbia, (Sétimo Severo, que nem mesmo tinha antepassados romanos) e na
França (Caracala).
O fim do Império Romano produziu intensa
desorganização política na Europa. Após um longo período de guerras entre povos
bárbaros e povos mais ou menos romanizados começou a surgir um novo tipo de
nacionalismo baseado nas etnias que ocupavam extensas áreas territoriais. Em
seus estágios iniciais, porém, o nacionalismo étnico (que é muito distinto do
nacionalismo político) não tinha as mesmas características que viria a ter nos
séculos XIX e no século XX.
As primeiras cogitações científicas que originaram
a moderna perversão nacionalista ocorreram na Inglaterra e na França durante o
século XIX. As teorias de Thomas Buckle, Luis Agassiz e Arthur Gobineau
justificaram a colonização e intensa exploração da África e da Ásia por
ingleses e franceses. Nos EUA, o racismo científico foi empregado para consolidar
o regime de
separação política entre brancos e índios/negros que vigorou com maior ou menor
intensidade da Guerra Civil norte-americana até os anos 1960. O “saudável
regime” norte-americano influenciou Hitler, que o elogiou muito no seu
famigerado livro Mein Kampf.
A Alemanha Nazista não foi, portanto, um fenômeno
isolado e sim o aperfeiçoamento pervertido da perversão inventada por Thomas
Buckle, Luis Agassiz e Arthur Gobineau. Franceses e ingleses acreditavam que
eram superiores aos africanos e asiáticos. Os nazistas acreditaram que os
alemães eram superiores aos demais povos europeus. França e Inglaterra usaram
violência e crueldade para colonizar e explorar a África e a Ásia. O III Reich
resolveu usar brutalidade ainda maior para colonizar e explorar a Europa e a
União Soviética. Leopoldo II, Rei da Bélgica, comandou o holocausto no Congo.
Hitler o imitou ao produzir o holocausto dos judeus europeus.
O nacionalismo soviético (político) confrontou e
derrotou o nacionalismo nazista (racial). Ao fim da II Guerra Mundial,
franceses, ingleses e norte-americanos foram obrigados a começar a se desligar
das teorias raciais que originaram o nazismo. Os acordos comerciais entre
França e Alemanha foram o embrião do Mercado Comum Europeu e da União Europeia.
Nos EUA a luta pelos direitos civis dos negros perduraria até os anos 1960.
Apesar da eleição e posse de um presidente negro (Barack Obama), em vários
Estados dos EUA as comunidades negras reclamam, com razão, das agressões e
assassinatos cometidos por policiais brancos e racistas.
A saída do Reino Unido da União Europeia deve ser
avaliada com a devida contextualização histórica e julgada com cuidado. A
decisão foi apertada e não equivale ao renascimento do nacionalismo imperial e
racista que existia no centro do Império Britânico durante o século XIX. Quase
metade da população britânica votou em favor da permanência na UE; os racistas
extremistas são uma minoria dentro da maioria apertada que deu vitória ao
#Brexit. A percepção que parece ter prevalecido é a seguinte: pertencer a UE
estava produzindo mais problemas sociais do que benefícios econômicos para os
cidadãos do Reino Unido.
“It’s the economy, stupid” dizia Bill Clinton
quando era candidato a presidência dos EUA. “It’s the neoliberalism, moron”
podemos dizer em relação ao que ocorreu esta semana. O principal conflito que
produziu a fragmentação da UE não é entre imigrantes e nacionais/nacionalistas,
mas entre o povo do mercado e o povo do Estado. A predominância das finanças e
dos financistas sobre a política é um fenômeno terrível, pois acarreta
desemprego, reduções de salários e direitos, revogação de benefícios
previdenciários, pobreza e fome provocando intensa concentração de renda.
O mercado não tem nação. Aqueles que dele se
beneficiam não querem ter quaisquer compromissos nacionais. No neoliberalismo,
os vencedores (que são sempre os mesmos) cuidam apenas dos próprios interesses:
ganhar sempre mais dinheiro num menor período de tempo pagando menos impostos.
As modernas nações políticas (que sucederam as nações raciais) seguem, contudo,
sendo as únicas destinatárias do amor e das esperanças daqueles que foram
excluídos dos benefícios do crescimento econômico.
Ingleses, franceses, alemães, portugueses,
espanhóis, gregos, belgas, norte-americanos, brasileiros etc... querem apenas
uma coisa: ter um padrão de vida razoável. Eles não querem uma nova guerra
mundial. É a predominância política da lógica do mercado, que pressupõe uma
guerra permanente entre ricos e pobres, que pode acarretar a destruição da
humanidade. De fato, o povo do mercado não tem e não quer ter compromissos
nacionais, ele só acredita no lucro fácil, rápido e sem custo. Homens como
George Soros ganham dinheiro destruindo Estados nacionais.
O neoliberalismo fez exatamente isto: ele destruiu
os Estados nacionais, provocando a instabilidade social que levou a maioria dos
cidadãos do Reino Unido a querer sair da UE. O terremoto europeu - que apenas
começou - pode decretar o fim definitivo da era neoliberal. Isto será ruim sim,
mas apenas e principalmente para alguns financistas. Os lucros deles serão
menores, mas é evidente que eles não irão morrer de fome como as vítimas deles
tem morrido, inclusive na Europa.
A falência do nacionalismo político soviético
acarretou o renascimento e a explosão belicosa do nacionalismo étnico nos
Bálcãs. A balcanização da Europa (temor difundido pelos defensores da UE) é uma
falácia. A paz europeia foi construída pela união dos Estados nacionais
europeus, mas no princípio esta união era apenas comercial e preservava o
caráter nacional dos seus membros. Foi justamente a união monetária, o
crescimento da importância política da UE e a destruição dos Estados nacionais
europeus pelo neoliberalismo que deu origem ao conflito entre o povo do mercado
e os povos dos Estados europeus. E este conflito - e isto me parece bastante
evidente - não tem semelhança alguma com o conflito étnico que já existia entre
os povos balcânicos durante o período soviético. O povo do mercado não é uma
comunidade étnica e sim uma comunidade de interesses. The
concerns of the financiers were harmed, then what? Fuck them!
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