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04/03/2014 - 10:04 - Atualizado em 04/03/2014 - 10:27
Santos Vahlis, hoje
em dia, é mais conhecido pelos edifícios que deixou no Rio de Janeiro e pelas
festas que proporcionou nos anos 50. Foi um dos grandes construtores do bairro
de Copacabana.
Venezuelano,
mudou-se para o Brasil, trabalhou com a importação de gasolina e tentou se
engatar nas concessões de refinarias no governo Dutra. Foi derrotado pela maior
influência dos grupos cariocas já estabelecidos.
Nos anos seguintes,
foi um dos financiadores da campanha do general Estillac Leal para a presidência
do Clube Militar, em torno da bandeira do monopólio estatal. Torna-se amigo de
Leonel Brizola, defensor de Jango.
Provavelmente graças ao fato de ser bom cliente dos jornais, com seus
anúncios imobiliários, tinha uma coluna no Correio da Manhã, cujo ghost writer
era o grande Franklin de Oliveira.
Tentou adquirir o
jornal “A Noite” para fortalecer a imprensa pró-Jango. Foi atropelado pelo
pessoal do IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) que, em vez de
comprar o jornal, comprou sua opinião por Cr$ 5 milhões. A CPI que investigou a
transação teve como integrante o deputado Ruben Paiva.
Por sua atuação,
Vahlis sofreu ataques de toda ordem. Contra ele, levantaram a história de que
teria feito uma naturalização ilegal. Em 1961 foi preso e jogado nu em uma cela
de cadeia, em pleno inverno, a ponto do detetive que o prendeu temer por
sua vida.
Como era possível a
perseguição implacável dos IPMs (Inquéritos Policial Militares), de delegados e
dos Ministérios Públicos estaduais, contra aliados do próprio governo?
Esse mesmo fenômeno
observou-se nos últimos anos, com os abusos cometidos no julgamento da AP 470,
envolvendo não um ou dois Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), mas
cinco, seis deles, endossando arbitrariedades que escandalizaram juristas
conservadores.
Características da democracia
Para tentar entender o fenômeno, andei trabalhando em um estudo que
pretendo apresentar no evento “50 anos da ditadura”, que ocorrerá a partir da
semana que vem no Recife.
Aqui, um pequeno quadro esquemático que explica porque 2014 é tão
semelhante a 1964 – embora torçamos por um desfecho diferente.
1. A democracia é um processo permanente de
inclusões sucessivas. Também é o regime de maior instabilidade (e medo) das
pessoas. Nos regimes autoritários, na monarquia, nos sistemas de castas, não há
ascensão vertical das pessoas – nem sua queda. Na democracia de mercado há a
instabilidade permanente, mesmo para os bem situados. Teme-se o dia seguinte, a
perda do emprego, das posses, do status.
2. Além disso, há repartição entre os poderes
que abre espaço para a montagem de alianças e acordos econômicos, nos quais os
grandes grupos econômicos se aliam aos grupos de mídia, através deles aos
diversos poderes de Estado.
3. Cada época de inclusão gera novas classes de
incluídos que cumprem seu papel de entrar no mercado de trabalho, ganhar
capacidade de consumo e, no momento seguinte, cidadania e capacidade de
organização. Gera resistências tanto na classe média (medo da perda de status)
quanto nos de cima (perda de influência).
Aí, cria-se uma divisão no mercado de opinião que será explorado a
seguir.
O mercado de opinião
Simplificadamente, dividi o mercado de opinião em dois grupos.
O primeiro é o
mercado liderado pelos Grupos de Mídia. Por definição, é um mercado que
influencia preponderantemente os setores já estabelecidos que já passaram pela
fase da inclusão, do emprego, da carreira, integrando-se aos estabelecidos da
fase anterior.
Por suas
características, os grupos mais resistentes ao novo são os estamentos
militar, jurídico e a alta e média classes médias – especialmente os
estamentos que trabalham em grandes companhias hierarquizadas.
A razão é simples.
Vivem em estruturas burocráticas, hierarquizadas, nas quais cumprem uma
carreira, sujeitando-se a promoções ao longo de sua vida útil. Por isso mesmo,
a renovação se dá de forma muito lenta, proporcional à lentidão com que mudam
os lugares nessas corporações.
Por todas essas
características – da insegurança, da carreira construída passo a passo – esses
grupos são extremamente influenciados por movimentos de manada. Por segurança,
querem pensar do mesmo modo que a maioria, ou que o status quo do seu grupo (ou
de suas chefias).
Esse grupo pode ser
denominado conceitualmente de opinião pública midiática. Ele detém o poder, a
capacidade de influenciar leis, julgamentos, posições.
É o grupo que detém
poder. Mas não detém voto. Mesmo porque, quem têm votos é a maioria; quem
recebe votos são os políticos.
O segundo grupo é o
dos novos incluídos econômicos e dos incluídos políticos mas que não tem
posição de hegemonia. Entram aí sindicatos, organizações sociais, o povão
pré-organização etc, enfim, a maioria da população – especialmente em países
com tão grandes diferenças de renda.
Os canais de
informação desse público são os sindicatos, organizações sociais e os partidos
políticos.É um público que detém os votos, mas não detém poder.
O conflito entre poder e voto
Em cada período de
inclusão, o partido que entende as necessidades dos incluídos ganha as
eleições. Foi assim nos EUA com o Partido Republicano no século 19, com o
Partido Democrata no século 20.
Processos de
inclusão diminuem as diferenças de renda, ampliam a classe média e, quando o
país se civiliza, garantem a estabilidade política – porque a maioria se torna
classe média.
Em países
socialmente atrasados – como o Brasil – qualquer gesto em direção à inclusão
sofre enormes resistências dos setores tradicionais.
Não se trata de
viés político, ideológico (no sentido mais amplo), mas de atraso mesmo, um
atraso entranhado, anti-civilizatório, que atinge não apenas os hommers
simpsons, mas acadêmicos conservadores, magistrados, empresários sem visão. E,
especialmente, os grupos de mídia. Os de baixo temem perder status; os de cima,
temem perder poder.
O partido que
entende os novos movimentos colhe leitor de baciada.
O único fator capaz
de derrubá-lo são as crises econômicas (o fenômeno do populismo é o de procurar
satisfazer de qualquer maneira as massas descuidando-se da economia) ou o
golpe.
A reação através do golpe
Sem perspectivas eleitorais, os segmentos incluídos na chamada opinião
pública midiática recorrem ao golpismo puro e simples. Consiste em fomentar
diuturnamente o discurso do ódio e levar a vendetta para o campo
jurídico-policial. É o que levou à prisão de Santos Vahlis e aos abusos da AP
470. O movimento foi bem sucedido em 1964 e consistia no seguinte:
1. Para mobilizar a classe média, a mídia
levanta fantasmas capazes de despertar medos ancestrais: o fantasma do
comunismo, que destroi famílias e propriedades, do golpe que estaria sendo
preparado pelo governo, da corrupção que se alastra etc.
2. A campanha midiática cria o clima de ódio que
se torna cada vez mais vociferante quanto menores são as chances eleitorais de
mudar o governo.
3. Com a influência sobre o Judiciário e o Ministério
Público, além de denúncias concretas, qualquer fato vira denúncia grave e, na
ponta, haverá um inquérito para criminaliza-lo.
4. Aí se entra no ponto central: as agressões,
os atentados ao direito, as manipulações provocam reações entre aliados do
governo. Qualquer reação, por mais insignificante, serve para alimentar a
versão de que o governo planeja um golpe. O ponto central do golpe consiste em
fomentar reações que materializem as suspeitas de que é o governo que planeja o
golpe.
O grande problema
de Jango foram os aliados iludidos pela revolução cubana e pela própria
campanha da mídia - que superestimava, intencionalmente, os poderes da liga
camponesas e quetais.
O histórico
trabalho de Wanderley Guilherme dos Santos, em 1962, expos de forma magistral e
trágica como se dava essa manipulação das reações.
Esse mesmo clima em
relação às ligas camponesas, a mídia tentou recriar com as fantasias sobre a
influências das Farcs no Brasil, sobre os dólares cubanos transportados em
garrafas de rum e um sem-número de artigos de colunistas denunciando o suposto
autoritarismo de Lula.
Lula e Dilma
fugiram à armadilha, recorrendo ao que chamei, na época, de republicanismo
ingênuo, às vezes até com um cuidado excessivo. Não tomaram nenhuma atitude
contra a mídia; não pressionaram o STF; têm sido cautelosos de maneira até
exagerada; não permitiram que o PT saísse às ruas em protesto contra os abusos
da AP 470.
Apesar de entender
esse caminho, Jango não conseguiu segurar os seus. Houve radicalização intensa,
conduzida por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, pelo PCB de Luiz Carlos Prestes e
por lideranças sindicais, que acabaram proporcionando o álibi de que os
golpistas precisavam.
No entanto, há um
ponto em comum nos dois períodos: o ódio que a campanha midiática provocou em
diversos setores de classe média crescerá em razão inversamente proporcional ao
crescimento eleitoral da oposição. E o mote central será essa a Copa do Mundo e
o mote de que o governo gastou em estádios o dinheiro da saúde.
Há uma guerra de
comunicação central.
Jornal GNN
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