Apresentação
Roberto Giansanti1
Estima-se
que a humanidade tenha convivido com ao menos 500 guerras e conflitos sociais
de grandes proporções nos últimos três séculos. As mais devastadoras
aconteceram ao longo do século 20: a Primeira Guerra Mundial (1914–1918) deixou
um saldo de 13 milhões de vítimas fatais, enquanto a Segunda (1939–1945) matou
mais de 60 milhões de pessoas.
Além do
efeito devastador, a guerra deixa um saldo negativo para a vida social de um
país, com a destruição de cidades inteiras, edificações, infraestruturas e
recursos naturais disponíveis no território.
Milhões de
pessoas passam a viver como refugiados ou deslocados. Dados do Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) indicam que, no fim de
2009, eram 43 milhões de pessoas nessa condição. Desse total, quase a metade
era formada por afegãos e iraquianos.
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Por que eles ocorrem? Qual é a natureza
predominante? O que tem movido sociedades e governos a investirem em confrontos
armados que podem durar décadas? Como classificar as ações de grupos e
organizações ligados ao terror nos dias de hoje? Por que algumas guerras
mobilizam lideranças, a opinião pública mundial e as mídias, enquanto outros
conflitos não têm a mesma atenção? Qual é a relação entre regimes políticos
opressores e ocorrência de conflitos sangrentos e guerras civis?
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Houve redução no número de conflitos no mundo
atual. Eles são residuais em regiões como o continente americano e a Europa. Um
exemplo notável, que nos toca diretamente: no fim dos anos 1980, Brasil e
Argentina deixaram de lado suas rivalidades históricas, abandonando os
respectivos programas nucleares e adotando um regime de cooperação no âmbito do
Mercosul. De outro lado, os conflitos ocorrem ainda em grande número na África
e na Ásia.
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A quantidade de confrontos entre Estados
nacionais soberanos representa hoje apenas pequena parte dos conflitos. Entre
eles estão o embate entre Índia e Paquistão (em disputa pela região da
Caxemira) e o histórico confronto entre palestinos e israelenses (que coloca em
jogo a disputa por territórios e recursos e opõem culturas e religiões
distintas). Outro conflito que gera tensão permanente ocorre entre Coreia do
Norte e Coreia do Sul, especialmente em função de hostilidades e testes
nucleares realizados pela primeira. O Tibete, independente até os anos 1950,
foi invadido pela China e incorporado ao território do “Império do Meio”.
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A maior parte dos conflitos atuais acontece no
interior de cada território ou em determinadas regiões. Eles têm a
configuração de guerras civis (como a que varreu Muammar Khadafi do
poder na Líbia, em 2011), de movimentos nacionalistas, separatistas e
autonomistas (no Cáucaso, por exemplo) ou confrontos entre grupos
em disputa pelo poder político ou por diferenças étnicas ou religiosas (Iraque,
Somália, Sudão/Sudão do Sul, curdos no Oriente Médio, entre outros). As
populações do Afeganistão e do Iraque ainda lutam para reconstruir seus países
e retomar a vida normal.
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A maior diversidade de conflitos impõe a
necessidade de rever conceitos tradicionais de guerra e paz em
vigor nos últimos séculos. As instabilidades políticas abrem terreno para ações
de grupos ligados ao terror. São organizações transnacionais que atuam em
redes geográficas e utilizam frações de territórios para suas bases de
operações. Um exemplo conhecido é o da Al Qaeda, com ações e partidários em
diferentes países e autora dos atentados às Torres Gêmeas de Nova York, entre
outros, em 2001.
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Portanto, já não estamos diante de embates
tradicionais entre exércitos regulares nacionais, o que solicita das lideranças
mundiais e de organizações como a ONU novos modos de atuar na mediação de
conflitos.
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Instabilidades, mortes e violência também
ocorrem em função da associação de grupos políticos com organizações das redes
e circuitos ilegais (como o tráfico de drogas).
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Do mesmo modo, as instabilidades políticas estão
vinculadas também à ausência da democracia e das instâncias do Estado
democrático de direito. A aparente calma em países como Zimbábue vincula-se à
ação extremamente opressiva do regime comandado pelo ditador Robert Mugabe, no
poder desde 1986. São quadros como esse que motivaram diferentes populações a
protagonizar a chamada Primavera Árabe. A partir do fim de 2010, regimes
despóticos foram derrubados na Tunísia, no Egito, na Líbia e no Iêmen. Outros
regimes do Oriente Médio também estão sendo atingidos por essa onda, como o do
Barein e o da Síria.
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Muitos conflitos contemporâneos são alimentados
por um movimentado comércio de armas, que têm a indústria bélica de países
ricos e de algumas ex-repúblicas soviéticas como carro-chefe. Os maiores
vendedores de armas são, pela ordem, Estados Unidos, Reino Unido, Rússia e
França. Entre os principais compradores estão Arábia Saudita, Índia, China,
Israel e Egito. A participação de nações estrangeiras em conflitos também está
associada a interesses geopolíticos e econômicos – caso da forte presença dos
Estados Unidos no Oriente Médio, onde estão as maiores reservas de petróleo do
planeta.
Sudão do
Sul: sonho de paz
A causa das
tensões no Sudão é de natureza tão geográfica que poderia ser notada até mesmo
por um observador na Lua. A ampla faixa cor de marfim do Saara no norte da
África contrapõe-se à savana e à selva verdejante no centro do continente. As
populações em geral se distribuem de um lado e de outro desse divisor vegetal.
[...] No Sudão, o contato entre árabes e negros sempre foi problemático. Já no
século 7, os conquistadores muçulmanos descobriram que muitos moradores da
terra então conhecida como Núbia eram cristãos. O confronto entre ambos
consolidou-se em um impasse que durou mais de um milênio. [...]
[Já no
século 20], com a eclosão da segunda guerra civil no país, em 1983, surgiu um
grupo rebelde, intitulado Exército de Libertação do Povo do Sudão, que, em um
dos seus primeiros atos espetaculares, lançou um ataque contra a sede da
construtora de um canal [que desviaria águas da região úmida do Sudd para o
norte, até o árido Egito]. Anos de carnificina se seguiram e somente seriam
encerrados em 2005, quando esforços diplomáticos nos bastidores levaram à
assinatura do Acordo de Paz Global. Esse pacto assegurou ao Sudão do Sul uma
autonomia relativa, com Constituição, Exército e moeda próprios. Em janeiro de
2011, a história sudanesa deu um passo determinante: a população sulista
aprovou em referendo a decisão de separar-se do norte e formar uma nação livre,
por ora chamada de Sudão do Sul.
As
lideranças políticas de ambos os lados emitem sinais de que pretendem respeitar
o resultado, temerosos de uma intervenção internacional. Ao mesmo tempo,
continuam o antagonismo e a troca de acusações. [...]
A questão
é: por que o norte não aceita a separação do sul? De novo, o motivo é
geográfico: petróleo. A maior parte das reservas fica no Sudão do Sul, mas o
governo central controla as refinarias, assim como a distribuição das receitas.
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