sábado, 13 de abril de 2013

Conflitos regionais no mundo contemporâneo


Apresentação    Roberto Giansanti1

Estima-se que a humanidade tenha convivido com ao menos 500 guerras e conflitos sociais de grandes proporções nos últimos três séculos. As mais devastadoras aconteceram ao longo do século 20: a Primeira Guerra Mundial (1914–1918) deixou um saldo de 13 milhões de vítimas fatais, enquanto a Segunda (1939–1945) matou mais de 60 milhões de pessoas.
Além do efeito devastador, a guerra deixa um saldo negativo para a vida social de um país, com a destruição de cidades inteiras, edificações, infraestruturas e recursos naturais disponíveis no território.
Milhões de pessoas passam a viver como refugiados ou deslocados. Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) indicam que, no fim de 2009, eram 43 milhões de pessoas nessa condição. Desse total, quase a metade era formada por afegãos e iraquianos.

·         Por que eles ocorrem? Qual é a natureza predominante? O que tem movido sociedades e governos a investirem em confrontos armados que podem durar décadas? Como classificar as ações de grupos e organizações ligados ao terror nos dias de hoje? Por que algumas guerras mobilizam lideranças, a opinião pública mundial e as mídias, enquanto outros conflitos não têm a mesma atenção? Qual é a relação entre regimes políticos opressores e ocorrência de conflitos sangrentos e guerras civis?

·         Houve redução no número de conflitos no mundo atual. Eles são residuais em regiões como o continente americano e a Europa. Um exemplo notável, que nos toca diretamente: no fim dos anos 1980, Brasil e Argentina deixaram de lado suas rivalidades históricas, abandonando os respectivos programas nucleares e adotando um regime de cooperação no âmbito do Mercosul. De outro lado, os conflitos ocorrem ainda em grande número na África e na Ásia.

·         A quantidade de confrontos entre Estados nacionais soberanos representa hoje apenas pequena parte dos conflitos. Entre eles estão o embate entre Índia e Paquistão (em disputa pela região da Caxemira) e o histórico confronto entre palestinos e israelenses (que coloca em jogo a disputa por territórios e recursos e opõem culturas e religiões distintas). Outro conflito que gera tensão permanente ocorre entre Coreia do Norte e Coreia do Sul, especialmente em função de hostilidades e testes nucleares realizados pela primeira. O Tibete, independente até os anos 1950, foi invadido pela China e incorporado ao território do “Império do Meio”.

·         A maior parte dos conflitos atuais acontece no interior de cada território ou em determinadas regiões. Eles têm a configuração de guerras civis (como a que varreu Muammar Khadafi do poder na Líbia, em 2011), de movimentos nacionalistas, separatistas e autonomistas (no Cáucaso, por exemplo) ou confrontos entre grupos em disputa pelo poder político ou por diferenças étnicas ou religiosas (Iraque, Somália, Sudão/Sudão do Sul, curdos no Oriente Médio, entre outros). As populações do Afeganistão e do Iraque ainda lutam para reconstruir seus países e retomar a vida normal.

·         A maior diversidade de conflitos impõe a necessidade de rever conceitos tradicionais de guerra e paz em vigor nos últimos séculos. As instabilidades políticas abrem terreno para ações de grupos ligados ao terror. São organizações transnacionais que atuam em redes geográficas e utilizam frações de territórios para suas bases de operações. Um exemplo conhecido é o da Al Qaeda, com ações e partidários em diferentes países e autora dos atentados às Torres Gêmeas de Nova York, entre outros, em 2001.

·         Portanto, já não estamos diante de embates tradicionais entre exércitos regulares nacionais, o que solicita das lideranças mundiais e de organizações como a ONU novos modos de atuar na mediação de conflitos.

·         Instabilidades, mortes e violência também ocorrem em função da associação de grupos políticos com organizações das redes e circuitos ilegais (como o tráfico de drogas).
·         Do mesmo modo, as instabilidades políticas estão vinculadas também à ausência da democracia e das instâncias do Estado democrático de direito. A aparente calma em países como Zimbábue vincula-se à ação extremamente opressiva do regime comandado pelo ditador Robert Mugabe, no poder desde 1986. São quadros como esse que motivaram diferentes populações a protagonizar a chamada Primavera Árabe. A partir do fim de 2010, regimes despóticos foram derrubados na Tunísia, no Egito, na Líbia e no Iêmen. Outros regimes do Oriente Médio também estão sendo atingidos por essa onda, como o do Barein e o da Síria.

·         Muitos conflitos contemporâneos são alimentados por um movimentado comércio de armas, que têm a indústria bélica de países ricos e de algumas ex-repúblicas soviéticas como carro-chefe. Os maiores vendedores de armas são, pela ordem, Estados Unidos, Reino Unido, Rússia e França. Entre os principais compradores estão Arábia Saudita, Índia, China, Israel e Egito. A participação de nações estrangeiras em conflitos também está associada a interesses geopolíticos e econômicos – caso da forte presença dos Estados Unidos no Oriente Médio, onde estão as maiores reservas de petróleo do planeta.


Sudão do Sul: sonho de paz

A causa das tensões no Sudão é de natureza tão geográfica que poderia ser notada até mesmo por um observador na Lua. A ampla faixa cor de marfim do Saara no norte da África contrapõe-se à savana e à selva verdejante no centro do continente. As populações em geral se distribuem de um lado e de outro desse divisor vegetal. [...] No Sudão, o contato entre árabes e negros sempre foi problemático. Já no século 7, os conquistadores muçulmanos descobriram que muitos moradores da terra então conhecida como Núbia eram cristãos. O confronto entre ambos consolidou-se em um impasse que durou mais de um milênio. [...]
[Já no século 20], com a eclosão da segunda guerra civil no país, em 1983, surgiu um grupo rebelde, intitulado Exército de Libertação do Povo do Sudão, que, em um dos seus primeiros atos espetaculares, lançou um ataque contra a sede da construtora de um canal [que desviaria águas da região úmida do Sudd para o norte, até o árido Egito]. Anos de carnificina se seguiram e somente seriam encerrados em 2005, quando esforços diplomáticos nos bastidores levaram à assinatura do Acordo de Paz Global. Esse pacto assegurou ao Sudão do Sul uma autonomia relativa, com Constituição, Exército e moeda próprios. Em janeiro de 2011, a história sudanesa deu um passo determinante: a população sulista aprovou em referendo a decisão de separar-se do norte e formar uma nação livre, por ora chamada de Sudão do Sul.
As lideranças políticas de ambos os lados emitem sinais de que pretendem respeitar o resultado, temerosos de uma intervenção internacional. Ao mesmo tempo, continuam o antagonismo e a troca de acusações. [...]
A questão é: por que o norte não aceita a separação do sul? De novo, o motivo é geográfico: petróleo. A maior parte das reservas fica no Sudão do Sul, mas o governo central controla as refinarias, assim como a distribuição das receitas.